22 de Fevereiro
Leitura bíblica: Ezequiel 16.5-6
Nestes versículos de Ezequiel, o Senhor está descrevendo o povo judeu quando era escravo na terra do Egito e consistia de poucas pessoas. Mesmo juntos, eles ainda não constituíam uma nação. O Senhor aumentou consideravelmente seu número no Egito e, então, eles tornaram-se uma nação. Devido à grande quantidade de israelitas, o rei do Egito foi muito cruel com eles. Ele ordenou que os judeus matassem todos os seus filhos homens. Deviam lançar fora as crianças e deixá-las morrer. Essa descrição do filho rejeitado, deixado num campo para morrer de fome ou de frio, ou então ser morto por feras selvagens, é um retrato da jovem nação de Israel. Deus viu a nação oprimida por Faraó, como uma criança expulsa. Ele olhou para Israel com amor e livrou-o do Egito, levando-o a uma nova terra que Ele lhe deu.
As palavras desta nossa passagem são também uma descrição da raça humana como é por natureza. Deus passa pelo pecador e o vê banido, perdido e desamparado. Então, em Sua divina misericórdia, Ele diz ao pecador: “vive!”.
Chamo suas atenções para a condição miserável do homem. O texto descreve uma criança deixada do lado de fora para morrer; o bebê, largado no campo aberto por pais cruéis. Tudo o que era necessário para a vida da criança havia sido retirado. Era um costume entre as nações pagãs deixar seus filhos mais fracos morrerem assim. Mas os judeus não tinham esse hábito. Eles lembrariam, contudo, que no Egito Faraó havia ordenado que todos os filhos homens dos judeus deviam ser mortos. Os judeus também lembrariam como Moisés foi deixado numa cesta no rio Nilo. Assim, essa passagem seria compreendida.
Vemos no texto a destruição de uma criança. A criança não conheceu felicidade alguma na vida. Só conheceu dor e sofrimento. E todos os que nascem neste mundo passam pela mesma experiência. No Salmo 51.5 lemos que todos os homens são pecadores desde o nascimento, e pecadores a partir da concepção. Somente Adão nasceu sem pecado. Todavia Adão, pela desobediência a Deus, tornou-se um pecador. Ele caiu da graça de Deus. E, desde então, todos os homens têm sido pecadores. Devido à queda de Adão, nós também somos decaídos. Nossa natureza é má. Estamos sob a condenação de Deus desde nosso nascimento. Deus diz isso em Sua Palavra. O homem é como uma criança expulsa para morrer. A menos que Deus tenha misericórdia de um homem, esse homem está perdido.
Não há nenhuma doutrina mais humilhante do que a doutrina do pecado original. Esta doutrina tem sido atacada por pessoas que odeiam o evangelho. No entanto, a doutrina do pecado original deve ser sustentada por aqueles que querem exaltar a Cristo. Quando percebemos a terrível destruição da qual Cristo nos salvou, Sua graça torna-se ainda mais gloriosa. Todas as pessoas nasceram sob a lei de Deus e estão sob a maldição de Deus. Somente a graça de Deus pode tirá-las das profundezas da destruição, elevando-as às alturas da glória.
Em segundo lugar, a passagem ensina muito claramente que a criança banida é totalmente incapaz de fazer algo para se salvar. O bebê não pode andar a fim de encontrar abrigo. Não pode falar para pedir ajuda a alguém que está passando. A criança está completamente desamparada. Apenas uma outra pessoa pode fazer algo para ajudá-la. Até que alguém venha para ajudar a criança, ela deve jazer abandonada na dor no campo aberto. A natureza humana é tão fraca e desamparada quanto o bebê que descrevemos. As pessoas não podem fazer nada para se salvar. Por natureza, todos os homens estão mortos em transgressões e pecados. Como podem aqueles que estão mortos trazer a si próprios a vida? Somente Deus pode levantar os que estão mortos em pecado. Se o homem há de ser recuperado, isso terá que acontecer por um milagre. Somente Deus pode operar esse milagre.
O texto também ensina que o homem está numa situação repugnante. O bebê expulso era repulsivo ao olhar. “… foste lançada… no dia em que nasceste, porque tiveram nojo de ti.” Nada nos seres humanos é atraente. Tudo neles é repugnante. No entanto, eles não creem que são tão repulsivos. As pessoas acham que há coisas boas nelas. Quão fácil é sermos enganados! Podemos pensar que somos como anjos quando nos assemelhamos mais a diabos. Quando Deus, o Espírito Santo, mostra a um homem o que ele realmente é, esse se vê repugnante. Nem mesmo cobras venenosas ou sapos asquerosos são tão repulsivos para o homem quanto o homem deve ser para Deus. A semelhança de Deus, que outrora esteve nos seres humanos, quase não pode mais ser vista.
Certamente a criança seria destruída. A ruína da criança expulsa é uma ilustração da infalível destruição de todo homem, à parte da graça de Deus. A humanidade há de perecer, a menos que Deus a salve. A humanidade perder-se-á por toda a eternidade, a menos que o forte braço de Deus seja estendido para ajudá-la. Somente Deus pode cuidar do bebê desamparado. A criança expulsa não se pode salvar. E nossa salvação só pode vir de Deus. Não estou descrevendo somente os pecadores muito perversos. Estou falando de cada um de nós por natureza. Estamos todos num perigo terrível, a menos que nasçamos de novo. Esta é a verdade fundamental. Vocês podem ter muitas boas qualidades. Vocês podem ser dignos, sensatos e honestos. Podem dar generosamente aos pobres. Seus amigos e parentes podem gostar de vocês por causa dessas boas coisas que veem em vocês. Não obstante, preciso dizer-lhes que, apesar dessas coisas boas, se não tiveram nascido de novo, por natureza vocês não são melhores do que o pior dos pecadores.
Pecadores — rogo-lhes que pensem sobre essas coisas. Vocês estão destruídos pelo seu próprio pecado. Vocês estão prestes a perecer. Vocês estão sem ajuda e sem poder. Estão expulsos como a criança, e expostos às maldades que não veem nem conhecem. No final, encontrar-se-ão no inferno, a menos que Deus os liberte. Vocês devem fazer como o apóstolo Pedro disse: “humilhai-vos, portanto, sob a poderosa mão de Deus, para que ele, em tempo oportuno, vos exalte” (1 Pe 5.6). Confessem seus pecados a Deus com corações submissos. Chorem diante dEle em verdadeiro arrependimento. Deus pode e Deus irá libertá-los. Deus irá levantar Seu povo da destruição, da boca do inferno.
Deus nunca nos amará por causa de nossa beleza. Mas Deus pode amar-nos ainda que não sejamos belos. Ele pode amar-nos apenas por causa de Sua própria graça voltada para nós. As pessoas muitas vezes auxiliam aqueles que suplicam para serem ajudados. Entretanto a criança que foi expulsa não podia rogar para ser salva. Ela não podia nem mesmo falar. Quando um pecador começa a rogar a Deus em oração, Deus já começou a salvá-lo. As orações de um pecador nunca podem ser a causa de sua salvação. Deus sempre é a causa de nossa salvação. Deus busca um homem antes que ele possa buscar a Deus. O Espírito Santo precisa começar uma boa obra na alma de um homem antes que esse homem se volte para Deus. Não havia absolutamente nenhuma razão pela qual Deus deveria salvar essa criança. Não havia nenhuma razão pela qual Deus deveria salvar os pecadores. Deus sabe que todas as pessoas são culpadas, como criminosos no tribunal de justiça. Ele sabe que Sua misericórdia pareceria ter sido jogada fora em homens assim.
Agora quero mostrar-lhes a graça soberana de Deus. Deus diz: “vou poupar esse traidor; ele merece morrer, mas vou poupá-lo. Vou provar que sou rei e o Deus da misericórdia”. Por que então Deus poupa esta criança banida? Há apenas uma resposta para essa pergunta: “terei misericórdia de quem me aprouver ter misericórdia, e compadecer-me-ei de quem me aprouver ter compaixão. Assim, pois, não depende de quem quer, ou de quem corre, mas de usar Deus a sua misericórdia” (Rm 9.15-16). Não podemos ir além em nosso exame. Cremos que o motivo da misericórdia está no próprio Deus. Encerraremos o assunto aqui.
Quando Deus diz “vive”, muitas coisas estão incluídas. O pecador condenado está pronto para ser executado. O machado está a ponto de atingir seu pescoço. E então o Deus onipotente diz: “vive”. O pecador culpado levanta-se. Ele é perdoado e libertado. A execução não acontecerá. O crime é perdoado. O pecador que estava para morrer é salvo e viverá para sempre.
A Palavra de Deus traz vida espiritual. A pessoa não convertida não sabe nada a respeito de Deus. Ela não pode ver a Cristo ou ouvir Sua voz. Deus diz: “vive”. A vida espiritual é concedida e a pessoa que estava morta em transgressões e pecados passa a viver. Essa vida espiritual continuará ao longo dos anos da vida natural. Quando a morte vier, a voz do Senhor ainda será ouvida: “… te disse: …vive”. Na manhã da ressurreição, a mesma voz será ecoada pelo arcanjo: “vive”. A voz que diz “vive” é muito poderosa. Foi essa poderosa voz de Deus que levantou Lázaro dentre os mortos. Cristo ficou ao lado do túmulo de Lázaro e disse: “Lázaro, sai para fora”. Lázaro estava vivo novamente e levantou-se do túmulo.
A salvação acontece mediante a graça gratuita de Deus. Quero dizer repetidamente que esta criança expulsa era muito asquerosa e repulsiva. Não havia nada de atraente nela. Havia apenas desamparo. A criança não podia fazer nada para se ajudar. A criança não podia nem mesmo suplicar por si própria. Mas a graça disse: “vive”. Quando os pecadores são salvos, é porque Deus deseja salvá-los. Sua graça vem voluntariamente aos pecadores que não a estão buscando.
O que direi aos que são cristãos? Mostrem sua gratidão a Deus vivendo mais como Cristo viveu e vivendo para Cristo. Usem todo o seu tempo e tudo o que têm para Cristo. Nada pode fazer um homem trabalhar para Cristo como a graça gratuita. Aqueles que dizem que creem nas doutrinas da graça e são negligentes, estão detendo “a verdade em injustiça” (Rm 1.18). Os que foram salvos pela graça gratuita de Deus querem apenas trabalhar para Deus.
Charles Haddon Spurgeon – Adaptado