LIÇÕES

Devocional 29-02

29 de Fevereiro

Leitura bíblica: Atos 7.54-8.1

O texto apresenta em Estêvão um exemplo da fé de Cristo. Estêvão deixa este fato evidente com sua citação de Isaías. Estêvão não só rejeita as concepções dos judeus com respeito às igrejas e sua construção, mas também denuncia todas as suas obras, dizendo que eles receberam a Lei pela disposição de anjos e não a guardaram. Então, os judeus, em troca, reprovam Estêvão como se ele tivesse falado contra o templo e, além disso, blasfemado da Lei de Moisés e ensinado obras estranhas. Com efeito. Estêvão não poderia tê-los corretamente acusado de fracassar em observar a Lei na medida em que obras exteriores são consideradas. Pois eles eram circuncidados e observavam as leis com respeito a alimentos, roupas, festas e todos os mandamentos de Moisés. Foi a consciência de terem observado a Lei que os levou a apedrejá-lo.

Mas as palavras de Estêvão foram instigadas pelo mesmo espírito que moveu Paulo, quando ele disse que pelas obras da Lei ninguém é justificado aos olhos de Deus, sendo somente a fé a justificadora. Onde o Espírito Santo não está presente para conceder graça, o coração do homem não pode favorecer a lei de Deus.

Quando Estêvão declara que os judeus sempre resistem ao Espírito Santo, ele implica que pelas obras eles tornam-se presunçosos, não ficam inclinados a aceitar a ajuda do Espírito e relutam que suas obras sejam rejeitadas como ineficazes. Sempre trabalhando para satisfazer as demandas da Lei, mas sem cumprir sua mínima exigência, eles permanecem hipócritas até o fim. Pouco dispostos a abraçar a fé por meio da qual realizariam boas obras, e a graça do Espírito que criaria um amor pela Lei, eles tornam impossível sua observância livre e espontânea.

Estêvão chama os judeus de “homens de dura cerviz e incircuncisos de coração e ouvido”, porque recusam ouvir e entender. Eles clamam continuamente: “boas obras, boas obras! Lei, Lei!”, embora não efetuando a menor delas.

Em primeiro lugar, vemos na conduta de Estêvão amor a Deus e aos homens. Ele manifesta seu amor a Deus censurando os judeus séria e duramente, chamando-os de traidores, assassinos e transgressores de toda a Lei, sim teimosos, e dizendo que resistem ao cumprimento da Lei e resistem também ao próprio Espírito Santo. Mais do que isso, ele os chama de “incircuncisos de coração e ouvido”. Como ele poderia tê-los censurado mais severamente?

Já tivemos ocasião de declarar que Estêvão era leigo, um cristão comum, não um sacerdote. É-nos necessário, então, saber o que Lucas diz. Ele conta como os cristãos no começo da Igreja em Jerusalém tornaram todas as suas possessões propriedade comum, e os apóstolos distribuíram a cada membro da congregação conforme a necessidade. Mas, como aconteceu, as viúvas dos judeus gregos não eram supridas como o eram as viúvas hebreias; por conseguinte, houve reclamações. Os apóstolos, vendo como o dever de prover a subsistência destas coisas seria tão penoso quanto a, em certa medida, interferir com seus deveres de pregar e orar, reuniram a multidão dos discípulos e disseram: “não é razoável que nós deixemos a palavra de Deus e sirvamos às mesas. Escolhei, pois, irmãos, dentre vós, sete varões de boa reputação, cheios do Espírito Santo e de sabedoria, aos quais constituamos sobre este importante negócio. Mas nós perseveraremos na oração e no ministério da palavra” (At 6.2-4). Assim, Estêvão, juntamente com os outros seis, foi escolhido para distribuir os bens. Daí vem a palavra “diácono”, servo ou ministro. Esses homens serviam a congregação, ministrando suas necessidades temporais. Está claro que Estêvão era mordomo ou administrador e guardião dos bens temporais dos cristãos; seu dever era administrá-los aos que estavam em necessidade.

O precedente de Estêvão é válido. Seu exemplo dá a todos os homens a autoridade de pregar onde quer que encontrem ouvintes, quer seja num edifício ou no mercado. Ele não limita a pregação da Palavra de Deus a solidéus e batas longas. Ao mesmo tempo, ele não interfere com a pregação dos apóstolos. Ele atende os deveres do seu ofício e fica prontamente calado onde é o lugar dos apóstolos pregar.

Em segundo lugar, a conduta de Estêvão é um belo exemplo de amor ao semelhante por não usar de má vontade até mesmo para com seus assassinos. Não obstante, em seu zelo pela honra de Deus, ele os reprova severamente, tal é o sentimento humano que tem por eles. E mesmo na agonia da morte, tendo feito provisão para si entregando o espírito a Deus, ele não tem outro pensamento sobre si mesmo, mas manifesta sua preocupação para com eles. Sob a influência desse amor, ele rende o espírito. Não premeditadamente Lucas coloca a oração de Estêvão por seus assassinos no fim da narrativa. Notem, também, que quando ora por si mesmo e entrega o espírito a Deus, ele está de pé, mas ao orar por seus assassinos ele se ajoelha. Além disso, ele clamou em alta voz quando orou por eles, o que não fez por si mesmo.

Quanto mais fervorosamente ele orou por seus inimigos do que por si mesmo! O quanto seu coração deve ter ardido, os olhos inundados e o corpo inteiro agitado e movido pela compaixão quando viu a miséria dos seus inimigos! É opinião de Agostinho que Paulo foi salvo por esta oração. E não é desarrazoado acreditar que Deus de fato a ouviu e que desde a eternidade Ele previu um grande resultado desta dispensação. A pessoa de Paulo é evidência da resposta de Deus à oração de Estêvão. Isso não pode ser negado, embora nem todos possam ter sido salvos.

Estêvão escolhe habilmente as palavras, dizendo: “Senhor, não lhes imputes este pecado” (At 7.60); ou seja, não faça que os pecados deles sejam irremovíveis, como um pilar ou fundação. Por estas palavras, Estêvão faz confissão, arrepende-se e compensa o pecado no interesse dos seus assassinos. Suas palavras implicam: “Senhor amado, é verdade que eles cometem pecado, que fazem um mal. Isso não pode ser negado”.

A morte, o terror do mundo, estiliza um sono; Lucas diz: “[Ele] adormeceu”; isto é, a morte de Estêvão foi serena e indolor; ele partiu como alguém que vai dormir, não sabendo como, e dorme inconscientemente. A teoria de que a morte do cristão é um sono, uma passagem tranquila, tem fundamentos seguros na declaração do Espírito. O Espírito não nos enganará. A graça e poder de Cristo tornam a morte tranquila. Sua amargura é removida para longe pela morte de Cristo quando cremos nEle.

Ele diz: “se alguém guardar a minha palavra, nunca verá a morte” (Jo 8.51). Por que ele não a verá? Porque a alma, abraçada à sua palavra viva e cheia dessa vida, não pode ter consciência da morte. A palavra vive e não conhece a morte; assim a alma que crê igualmente nessa palavra e vive nela não prova a morte. É por isso que as palavras de Jesus são chamadas de palavras de vida. Aquele que nelas confia, que nelas crê, tem de viver. Consolo e encorajamento são ainda mais reforçados pela afirmação de Estêvão: “Eis que vejo os céus abertos e o Filho do Homem, que está em pé à mão direita de Deus” (At 7.56). Aqui vemos quão fiel e amorosamente Jesus cuida de nós e o quanto Ele está pronto a nos ajudar se nós tão somente crermos nEle e alegremente arriscarmos a vida por Ele. A visão não foi dada somente por causa de Estêvão; não foi registrada para proveito próprio. Foi para nossa consolação, para tirar toda a dúvida de nosso privilégio, a fim de gozarmos os mesmos resultados felizes, desde que procedamos como Estêvão.

Quem pode numerar as virtudes ilustradas no exemplo de Estêvão? Ali manifesta-se o fruto do Espírito. Encontramos amor, fé, longanimidade, paz, gozo, mansidão, benignidade, temperança e bondade. Vemos também ódio e censura de todas as formas de mal. Notamos uma disposição em não estimar as vantagens mundanas, nem temer os terrores da morte. A liberdade, a tranquilidade e todas as virtudes nobres e graças estão em evidência. Não há virtude que não seja ilustrada neste exemplo; não há vício que não seja reprovado.

A fé verdadeira é um princípio forte, ativo e eficaz. Nada lhe é impossível. Não descansa nem vacila. Estêvão, por causa da atividade superior de sua fé, realizou não meramente obras comuns, mas fez maravilhas e sinais publicamente — grandes maravilhas e sinais, como Lucas declara. Não é sem propósito que a palavra “fé” é colocada antes da palavra “poder”. A intenção era mostrar que as obras são evidências de fé, e que sem fé, nada de bom podemos realizar. A fé deve ser primária em todo ato.

Para esse fim, que Deus nos ajude.

Amém!

Martinho Lutero – Adaptado